Empreendedorismo Social e Administração Pública.

Márcia Gomes Lacerda

A Enactus é uma organização mundial sem fins lucrativos, de empreendedorismo social em que acadêmicos e líderes de negócios se encontram para empoderar e mudar a realidade de comunidades em situação de vulnerabilidade.

Atualmente a Enactus está presente em 36 países, envolvendo mais de 70 mil estudantes que impactam em um ano, por meio de aproximadamente 5 mil projetos espalhados pelo mundo, cerca de 2 milhões de pessoas. Dentre as empresas que apoiam a Enactus estão KPMG, Unilever, Walmart, Ford, Coca-Cola, Bic, Microsoft, HSBC, Johnson & Johnson, PepsiCo, Dell, Heineken, DHL, além de outras centenas de apoiadores.

A organização existe no Brasil desde 1998, e atualmente conta com cerca de 100 times Enactus espalhados pelas instituições de ensino superior do país.

O Time Enactus ESAG UDESC foi instituído em março de 2015, sendo o primeiro de Santa Catarina a ser fundado e atualmente engloba 37 alunos de três dos centros de ensino do campus I em Florianópolis.

A criação do Time nasce da crença de que a universidade pode proporcionar desenvolvimento não somente aos alunos mas também à comunidade ao seu redor. Os integrantes do Time fazem parte disso porque acreditam que seu trabalho pode transformar a realidade de pessoas alvos de contextos sociais vulneráveis.

Atualmente, o Time conta com 2 projetos em execução: o Projeto Arapuã e o Programa Hector.

O projeto Arapuã visa desenvolver e empoderar a comunidade da Tapera, em Florianópolis, através da apicultura aplicada em regiões do mangue. A região é bastante carente: segundo pesquisas introdutórias de membros do projeto a renda média das famílias da reserva está em torno de R$ 680,00 e a atividade econômica predominante é a pesca. O projeto tem como principal objetivo melhorar a qualidade de vida das famílias do local, inserindo uma nova fonte de renda.

O segundo projeto, o Programa Hector, o qual merece maior destaque nesta publicação por funcionar dentro de um órgão público e por exercer o papel de uma política pública, acontece no Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) da Grande Florianópolis, instituição onde os menores que cometeram atos infracionais cumprem sua medida socioeducativa.

Os jovens que cometem atos infracionais, em sua grande maioria, moram em comunidades carentes, favelas e regiões periféricas, onde a violência e o tráfico de drogas estão muito presentes e influenciam diretamente na vida da comunidade. Além disso, a família desses adolescentes possui uma renda familiar muito baixa e por falta de acesso ou incentivo de permanecer na escola, os jovens acabam abandonando os estudos antes mesmo de concluir o Ensino Fundamental. Esse fator contribui significativamente para que os adolescentes passem muito tempo nas ruas e acabem tendo contato com o mundo das drogas e do crime. Dados levantados em 2015 pelo Departamento de Administração Socioeducativo de Santa Catarina (DEASE), indicam que 27% do público alvo têm renda familiar de até dois salários mínimos; 48% pararam de frequentar a escola; e 34,4% fazem uso de drogas.

Pela falta de condições socioeconômicas, de acesso à educação e consequentemente sem preparo e oportunidades para ingressar no mercado de trabalho, os adolescentes em situação de vulnerabilidade acabam optando pelo crime e após comprovação de cometer um ato infracional, o jovem ingressa no sistema socioeducativo para que cumpra sua medida socioeducativa e depois retorne para a sociedade recuperado.

O problema é que na prática, o sistema socioeducativo não cumpre corretamente com seu papel de devolver para o convívio social, um jovem que cometeu ato infracional. Os Centros de Atendimento Socioeducativos, como o CASE da região da Grande Florianópolis, apresentam inúmeros problemas como: infraestrutura inadequada ou precária; falta de atividades que motivem e busquem preparar o jovem para o mercado de trabalho; falta de políticas públicas de reinserção desses indivíduos na sociedade; excesso de tempo ocioso enquanto o jovem cumpre sua medida socioeducativa; falta de pessoal efetivo para executar todas as tarefas e políticas que a instituição deveria ter, dentre outros.

A soma de todos esses fatores resulta na continuidade do ciclo de violência, afinal o jovem não aprende o suficiente no período em que encontra-se internado, não é preparado para ser reinserido na sociedade e nem para ingressar no mercado de trabalho e acaba optando novamente pelo crime como forma de se sustentar e ser recompensado financeiramente.

Diante do cenário descrito, o Programa Hector tem como grande objetivo reinserir esses jovens na sociedade e apresentar oportunidades de ingressar no mercado de trabalho para que não haja reincidência no crime. O Programa funciona por meio de 4 etapas que são operacionalizadas simultaneamente:

1. Transformação e Valores: a construção dessa etapa surgiu devido aos períodos ociosos presentes nas rotinas semanais dos jovens, que poderiam ser melhor aproveitados. Visa proporcionar discussões e reflexões para a manutenção de valores positivos e a transformação da mentalidade dos jovens, através de oficinas artísticas, culturais, esportivas ou de lazer e também das rodas de conversa com uma psicóloga;

2. Ensino Profissional: existem noções básicas do mundo do trabalho e do mundo social que são necessárias no desenvolvimento profissional do jovem. Diante disso, por meio do Ensino Profissional, o Programa busca desenvolver conhecimentos gerais e técnicos, habilidades e atitudes dos jovens para garantir sua empregabilidade no mercado de trabalho através de cursos profissionalizantes e de noções administrativas e financeiras;

3. Ação Empreendedora: Através da instalação de uma estamparia de camisetas no CASE, o objetivo dessa etapa é estimular a responsabilidade e o trabalho digno, além de gerar renda para a manutenção de todo o Programa com a venda das camisetas que serão estampadas pelos jovens;

4. Plataforma: Por meio de uma plataforma on-line de banco de dados busca-se a intermediação entre empresas parcerias que ofereçam vagas de emprego para os menores e jovens capacitados para que possam ingressar no mercado de trabalho assim que concluírem sua medida socioeducativa. A ideia é fazer com que o adolescente conclua seus estudos básicos e trabalhe como aprendiz.

Por fim, a Enactus ESAG UDESC pretende replicar o Programa Hector em outros CASES, afim de mudar a forma de funcionamento das instituições de atendimento socioeducativo, para que essas apliquem de forma mais correta o Estatuto da Criança e do Adolescente, além de diminuir consideravelmente (ou quem sabe acabar) com a reincidência no crime, produzindo assim resultados eficazes para a sociedade como um todo.

Márcia Gomes Lacerda

Estudante de Administração Pública – UDESC

Integrante do Time Enactus ESAG UDESC e do Programa Hector

Publicado anteriormente no antigo site da FENECAP na plataforma Wix em 11 de junho de 2019.

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